Poema em mirandês e em português
 
 
La rosa


 


Floriu-me la rosa ne l peito
Floriu-me la rosa na mano
Caiu-me la rosa sien jeito
Pétalas spargida ne l chano

Tirei ls spinos a la rosa
Para eilha nun picar
Tirei l reloijo al tiempo
Para l tiempo nun scapar

l reloijo fui seguindo
I l tiempo an sou andar
I la rosa çfolhada
Cuntinou a cheirar

You abracei l tiempo
Las pétalas, ua a ua, apanhei
L tiempo dou-me cunseilhos
Cun las pétalas medrei

Floriu-me ua rosa na alma
I soltei un crabo al aire
Cresciu-me la fuorça ne l peito
Mais fuorte que ye l tiempo
 
Cun essa fuorça a medrar
You nun me dou por bencida
Bendo la rosa a çfolhá-se
Corto ls spinos a la bida

 

 A rosa



 


Floriu-me a rosa no peito
Floriu-me a rosa na mão
Caiu-me a rosa sem jeito
Pétalas espalhados no chão

Tirei os espinhos à rosa
Para ela não picar
Tirei o relógio ao tempo
Para o tempo não escapar

O relógio foi seguindo
E o tempo em seu andar
E a rosa desfolhada
Continuou a cheirar

Eu abracei o tempo
As pétalas, uma a uma, apanhei
O tempo deu-me conselhos
Com as pétalas medrei

Floriu-me a rosa na alma
E lancei um cravo ao vento
Cresceu-me a força no peito
Mais forte que é o tempo

E com essa força a medrar
Eu não me dou por vencida
E vendo a rosa a desfolhar
Eu corto os espinhos à vida
 
 
Adelaide Monteiro

O verde de que era tecido


Houve um campo de trigo a fustigar-me o rosto
Dum tom aloirado em meu peito de estio
E o verde de que um dia o campo foi tecido
É gume de foice noutro dia em Agosto

 
E eu querendo o verde
Do campo em meu peito
Rego-o a preceito
Para que não seque

 
Mas o vento feroz de tanto o fustigar
Secou-lhe a garganta agitou-lhe as vestes
E o peito tão verde deixou de ser verde
Dobrou-se cansado daquele balançar
 

E eu levando a sede
Do campo em meu peito

Guardo-o a preceito
E comigo bebe
 

Bebemos a água que restou do estio
Segurando as folhas com os braços frágeis
E o campo e o peito são agora homenagens
À vida tão verde e ao inevitável frio
 

E eu querendo o tapete
Dos campos em meu peito
Enrolo-o a preceito
 E com ele aqueço



Adelaide Monteiro
 

São de pedra negra


 São de pedra os caminhos

Onde mora a cobardia.

São de pedra negra!

 

São de pedra os corações

De quem rouba

O que a todos pertencia.

São de pedra negra!

 

São de pedra as palavras

Ditas com floreados

Mas com odor pestilento.

São de pedra negra!

 

Ó caminhos!

 Mesmo que de alcatrão negro

Não deixeis passar aqueles

Que fazem com que o povo

Já nem negros, tenha caminhos!


Adelaide Monteiro 

Quando


Quando tiver que parar
que pare onde valha a pena,
que pare porque alguém me faz parar ...
me vê por dentro como eu sou,
e seja capaz de sugar
a raiva que dentro me ficou.
Que me conte a história vivida
em cada dia e eu lhe conte a minha,
me componha uma canção
com as notas do estio
e os meus dedos lhe escrevam o poema
com a métrica de um sorriso.

Quando tiver que parar
que seja num planalto de imensidão
onde as rochas humedeceram
pelo suor dos oprimidos,
pelas lágrimas dos incompreendidos,
onde os socalcos nasceram
do trabalho dos famintos,
onde o sol e a geada queimam,
os horizontes me parecem dunas,
onde no céu há estrelas,
na terra constelações,
onde em tempo se cantava aos serões
e eram parcas as ceias.
Mas se tiver que parar sem piedade,
finalmente, que pare de repente
para que o parar não me pareça eternidade
e não me doa o parar tão lentamente…
Mas se um dia me vires inerte, quase sem vida,
faz-me rir como criança, à gargalhada
e verás que em mim
nascerá vida, novamente!


Adelaide Monteiro